A situação assume um cariz quase anedótico, dependendo da perspectiva de análise: a Grécia precisava desesperadamente de dinheiro e, por isso, os seus amigos europeus emprestaram-lhe o dinheiro, especulando à custa desse empréstimo. A especulação é bem visível quando Portugal (passando o próprio país por enormes necessidades) pediu emprestado o dinheiro que haveria de ceder à Grécia, cobrando mais à Grécia do que a taxa de juro a que conseguiu o seu empréstimo. Que grandes amigos eles saíram, que até ganham dinheiro à custa da desgraça alheia...
O Pacto de Estabilidade Europeu que está hoje a ser discutido, mantém a realidade que tracei em cima, com o assobiar para o lado do Banco Central Europeu (BCE). O BCE coloca-se à margem de qualquer ajuda aos Estados, impedindo a criação de dívida pública europeia e, ao fazê-lo, está a dizer que não empresta dinheiro aos Estados. Estranha resposta esta a do BCE, dado que, ainda há dois anos, não teve qualquer problema de consciência em emprestar dinheiro directamente aos bancos.
A recente corrida à dívida pública portuguesa por parte dos bancos alemães dá o exemplo desta política especulativa: Portugal estava com problemas em vender os seus títulos de dívida pública mantendo uma taxa de juro aceitável e, de repente, os bancos alemães correram a comprar essa dívida pública, diminuindo, através dessa disputa pela compra da dívida, a taxa de juro a pagar. E porque é que isso aconteceu? O que motivou esta estranha mudança de atitude da banca perante a dívida pública portuguesa? A resposta está na posição que o BCE adoptou, face à criação do mega fundo europeu. Impossibilitando a compra directa da dívida pública aos Estados, o BCE prometeu recomprar essa dívida aos bancos e, com isso, motivou a corrida aos títulos do tesouro portugueses por parte da banca, sedenta por mais especulação.
A posição do BCE cria um novo patamar de especulação. A compra directa da dívida pelo BCE permitia uma diminuição do valor do juro a pagar. A criação de intermediários para essa compra, favorece apenas a banca que, por essa intermediação, se cobra principescamente. A resposta da Europa à especulação externa é a criação de novos focos de especulação no seio da própria União, deixando bem à mostra a crueldade do capitalismo.
E se já se percebeu que o ataque aos europeus está em curso, o que dizer da nossa Democracia? De uma Europa que já virou demasiadas vezes as costas aos seus cidadãos, vemos agora mais um foco desse autoritarismo que é inaceitável, com a previsível introdução do visto prévio da Comissão Europeia aos Orçamentos dos Estados.
A crise que agudizou as desigualdades entre os Estados e que enfraqueceu os que mais necessitavam, é agora o pretexto para que seja passado um atestado de incompetência aos cidadãos e lhes retira das mãos a possibilidade de opinar sobre o que é basilar na construção de um Estado, que é o seu orçamento.
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