Há dois anos, foi proposta uma recomendação semelhante, que levou à proibição de fato de uma forma de geoengenharia chamada fertilização oceânica, método experimental que reduz o dióxido de carbono que há na atmosfera a fim de combater o aquecimento global. A palavra “geoengenharia” se refere a qualquer esforço humano, em grande escala, de adaptar os principais ecossistemas, e inclui propostas como bombear vastas quantidades de sulfato na estratosfera para bloquear a luz do Sol ou insuflar sal oceânico nas nuvens para aumentar a sua reflectividade.
“São preocupantes os impactos negativos da geoengenharia e das formas sintéticas de vida na África”, disse um representante do Malawi na sessão final da 14ª Conferência do Organismo Subsidiário de Assessoria Cientifica, Técnica e Tecnológica (SBSTTA 14) da Convenção sobre a Diversidade Biológica. Esta entidade é integrada por cientistas e técnicos dos Estados que fazem parte da Convenção. Este documento busca reduzir a acelerada perda de espécies que prejudica os ecossistemas da Terra, e o SBSTTA oferece assessoria e recomendações de especialistas nesse sentido.
“Não há dúvidas de que muitos sentem que a liberação de formas sintéticas de vida terá grande impacto sobre os objectivos da Convenção”, disse Spencer Linus Thomas, presidente do SBSTTA, que encerrou a sua reunião de duas semanas no dia 22. “Deveria ser aplicado o princípio da precaução, tal como está consagrado na Convenção”, disse Thomas à IPS.
Craig Venter, que ganhou fama mundial em 2001 ao decifrar o genoma humano, dirigiu a equipe de cientistas que divulgou, na semana passada, a criação da primeira célula bacterial vivente e capaz de se autorreproduzir com um código genético elaborado por um computador. Isto cimenta o caminho para a geração de organismos sintéticos mais complexos. Em 2005, Venter fundou a empresa Synthetic Genomics para usar genes retirados do mar e de outras partes a fim de criar organismos sintéticos que converteriam cultivos como o capim agulha (switchgrass) e o milho em etanol, além de produzir hidrogénio, separar um combustível não contaminante com fins de aquecimento ou degradar gases-estufa.
Mundita Lim, delegada das Filipinas na SBSTTA, pediu urgência aos países-membros da Convenção no sentido de desenvolver um acordo internacional com forte enfoque de precaução em relação aos “organismos vivos produzidos pela biologia sintética” em suas negociações bienais de outubro, em Nagoya, no Japão. “Acreditamos que a vida sintética não deveria se propagar no meio ambiente até que sejam realizadas avaliações científicas em um processo aberto, transparente e participativo que envolva todos os membros, bem como as comunidades locais e indígenas”, disse Lim.
Silvia Ribeiro, do não governamental Etc Group, disse à IPS que “há uma moratória de facto”, referindo-se à recomendação do SBSTTA. Algumas nações discordam quanto à redacção dessa sugestão, e isto será um tema polémico em Nagoya, onde os Estados-membros o examinarão mais detalhadamente. Ribeiro disse também que as recomendações do SBSTTA relativas a programas de geoengenharia equivalem a uma moratória mundial.
Em março, cientistas e defensores da geoengenharia participaram de uma conferência em Asilomar, no Estado da Califórnia, para discutir várias ideias sobre o tema, incluindo um “código voluntário de conduta”. Os “geoengenheiros estarão furiosos por causa desta moratória”, reconheceu Ribeiro. “A última coisa que querem é que a ONU intervenha. Querem autorregular suas experiências”, acrescentou. A proposta da moratória teve apoio quase unânime, com fortes declarações de países da América Latina, África, Ásia e Europa, ressaltou.
Os delegados destacaram a necessidade de ser empregado o enfoque da precaução, impedindo a geoengenharia enquanto a ciência não demonstrar que é segura e funciona conforme o prometido. Foi notória a discordância do Canadá neste e em outros assuntos, disseram muitos em Nairobi. “O Canadá é a ovelha negra das negociações sobre a mudança climática, e não surpreende ninguém que se destaque como principal objecção a esta proposta. A própria delegação se sentiu envergonhada”, disse Silvia Ribeiro.
Estas recomendações mostram a importância da Convenção sobre a Diversidade Biológica. Este “ainda toma as decisões, particularmente com base nos princípios e não na política”, ressaltou Ribeiro. Quanto aos Estados Unidos, não é signatário da Convenção e não tem nenhum papel oficial nas reuniões de Nairobi, que continuarão até o início de junho.
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