domingo, 17 de outubro de 2010

Uma visita à "cidade proibida" de Devecser

As instituições da União Europeia e o governo da Hungria continuam a esconder de todo o mundo a tragédia humana em que se transformou a torrente de lama tóxica vermelha. Por Kinga Kalocsai.
Serração coberta de lama vermelha tóxica junto a Devecser, 13 de Outubro de 2010 – Foto de Sandor H. Szabo/Epa/Lusa
Serração coberta de lama vermelha tóxica junto a Devecser, 13 de Outubro de 2010 – Foto de Sandor H. Szabo/Epa/Lusa
A tragédia foi provocada pelo aluimento de partes de reservatórios de uma fábrica de alumina ou óxido de alumínio na região ocidental do território húngaro. Em vez de proporcionarem socorros adaptados à dimensão catastrófica do acontecimento, as autoridades impõem silêncio aos jornalistas e, sobretudo, às vítimas. A estas, os bancos exigem as imediatas amortizações dos empréstimos e hipotecas de casas - não se dê o caso de morrerem rapidamente - e as operadoras de comunicações cortam-lhes os telemóveis, única via de comunicação com o mundo, por falta de pagamento. Kinga Kalocsai, cidadã húngara e vice-presidente do Partido dos Trabalhadores da Hungria 2006, conseguiu iludir a interdição oficial e penetrar na "cidade proibida" de Devecser. Eis o seu testemunho.
Cheguei a Ajka (uma cidade próxima da área afectada pela lama vermelha) na manhã de sábado. Ao percorrer as ruas apercebi-me de que há lama vermelha espalhada por todo o lado. Mais tarde, compreendi que a lama vermelha é recolhida nas aldeias de Kolontár e de Devecser e depois transportada em camiões e contentores sobrecarregados e em condições degradantes através do centro da cidade.
O estádio desportivo está a ser usado como abrigo para as pessoas afectadas, mas mais ninguém consegue lá entrar; há entre 25 e 30 pessoas que permanecem aqui desde a catástrofe, com a ajuda de voluntários, que usam os seus próprios meios. Uma das coordenadoras explicou que usa o telemóvel pessoal para coordenar o abastecimento e a ajuda possíveis. Mas estas pessoas têm de abandonar o estádio durante o fim de semana e voltar para Kolontár, à excepção daqueles cuja casa foi destruída pela lama vermelha. A voluntária disse-me que as operadoras telefónicas bloquearam o uso de alguns telemóveis das pessoas afectadas, “porque telefonam demasiado” e gastam “demasiado dinheiro”. Uma destas pessoas atingiu um valor de cem mil forints (cerca de 400 euros) e a companhia disse que só poderia desbloquear este telefone quando fossem pagos 40 mil forints (170 euros). Na minha opinião, as companhias deviam oferecer ajuda e proporcionar um uso gratuito durante estes dias, mas não, eles agem contra as pessoas uma vez mais.
Disseram-me que não poderia falar com as pessoas que dormem no estádio; que somente posso falar com eles se os encontrar fora do estádio. Consegui então falar com dois homens de Kolontár e um menino pequeno, também da aldeia afectada. Todos temem muito o futuro próximo, esperam inquietos, mas em silêncio, que a parede de outro reservatório se desmorone. Não querem regressar. Quando lhes perguntei se poderia ajudar de alguma forma, responderam-me que necessitam apenas de uma coisa, "um lugar onde seja possível viver". E este lugar não é Kolontár, nem Devecser. A primeira vez que o menino me disse qualquer coisa foi para pedir sopa, porque “faz bem à garganta”. A sua garganta arde e está ferida, como a de todos aqueles que inalam a toxina da lama vermelha. A população está assustada com o que poderá acontecer nos próximos dias mas não tem escolha, a não ser mudar-se para outro lugar. Disseram-me que são consideradas “pessoas afectadas em segundo grau”, porque a lama vermelha não chegou às suas casas. Mas os vestígios da lama estão lá. Sentem-se condenadas à morte. Mas não podem fazer nada… Não podem vender as casas, porque agora nada valem. Não compreendem porque têm de regressar durante os próximos dias. Além disso há previsão de chuva, o que significa que a parede norte do reservatório poderá ruir e a lama vermelha fluirá mais uma vez, mas ninguém sabe exactamente dizer quando e qual a área que será afectada.
Explicaram-me que não há ninguém para coordenar a pouca ajuda que têm. Deram-lhes roupa, mas aquilo de que realmente necessitam continua a faltar. Mas quem pode fazê-lo? A mulher de Kolontár, que não passa de uma nobre voluntária local e que já gastou todo o seu dinheiro? Porque é que as autoridades oficiais não enviam ninguém que possa realmente ajudar e desempenhar este tipo de função?
As máscaras normais começam a ser insuficientes para toda a poeira que paira no ar, a populacão precisa de outro tipo de máscaras, mas não existem suficientes.
Depois de falar com estas pessoas consegui furar o controlo policial e chegar a Devecser, que está interdito a quem vem de fora, com a ajuda de um habitante local. Vive na última rua de Devecser, longe da zona que foi destruída pela lama, mas quando saímos do carro a poeira era densa. As pessoas andavam pela rua sem máscaras. Fomos até à sua casa, um lugar agradável renovado há pouco tempo mas que deixou de ter qualquer valor comercial. Contou-me que imediatamente a seguir à catástrofe todas as pessoas que tinham empréstimos ou hipotecas sobre as casas receberam uma carta do banco para procederem ao pagamento total e imediato das suas dívidas. Uma das empresas da TV por cabo ameaçou abrir um processo contra aqueles que não continuarem a pagar as contas. Mas as pessoas não têm advogados ou nenhum tipo de salvaguarda ou apoio para fazer face a estas companhias multinacionais. Este homem confirmou-me que a situação é semelhante em Kolontár, ninguém pode decidir se lá quer permanecer ou não, excepto aqueles cuja casa foi destruída pela lama vermelha. Mas as famílias querem ir para outras cidades ou aldeias. Temem pelas suas crianças e por toda a família que começa a sofrer problemas de saúde, principalmente na garganta. Não conhecem ninguém que queira permanecer na aldeia, mas não têm opção: não podem vender as suas casas, e, consequentemente, não podem comprar uma nova… Todos aguardam a chegada da chuva, a parede desmoronar-se-á e a poeira solidificará. Ninguém acredita que a aldeia volte a ser normal. Este homem explicou-me que quando era criança (tem agora 38 anos) a lama vermelha já aí era destilada.Todos conheciam a sua existência, mas não sabiam que era perigosa. Disse-me ainda que alguns habitantes de Kolontár, principalmente os mais velhos, foram visitados por funcionários da MAL (companhia que é responsável pelo derramamento) que lhes ofereceram cinco milhões de forints (quantia equivalente a 19 mil euro) em troca da sua assinatura num documento que estabelecia que não pretendiam qualquer outra coisa da companhia. Felizmente, ninguém assinou estes papéis.
Os polícias que permanecem em Devecser não fazem nada para além de verificar a identidade de quem por lá passa. Numa das vezes, pararam um carro de emergência e verificaram-no. Algumas pessoas foram interceptadas pela polícia, uma porque trouxe membros da família para a aldeia “interdita” para a ajudar nas mudanças, outra porque se esquecera do BI… Ambas foram detidas.
Quando terminava a conversa com este homem a esposa chegou a casa. Perguntou-me se queria almoçar com eles. Eu não estava com fome, e respondi que não. Então percebi que o filho ficou sentido com a minha resposta; pensou que não queria comer com eles porque estava receosa que a sua comida fosse tóxica por causa da lama vermelha. Aceitei. Depois do almoço, o homem levou-me muito perto da lama vermelha mas depois decidiu voltar para trás, receando as consequências.
Continuei a minha caminhada com uma máscara que me protegia relativamente da poeira. Mas não era suficient: ao fim de cinco minutos a garganta começou a arder e os pulmões a arder. Mas as pessoas que lá vivem, os trabalhadores e até mesmo alguns polícias continuam sem máscara.
Continuei andando até à área mais afectada pela lama vermelha, a parte mais pobre da aldeia antes da catástrofe. Quando cheguei, a polícia seguiu-me e mandou-me parar para verificar a minha identificação e depressa se apercebeu de que eu não era da vila. Disseram-me que ninguém pode ali entrar, apenas os meios de comunicação que tenham uma autorização especial - mas não vi nenhum jornalista durante a minha estadia). Disseram que devia sair do lugar imediatamente e conduziram-me até à auto-estrada mais próxima. Havia muita poeira na estrada e os carros e os camiões do exército levantavam ainda mais o pó. Recomecei a andar e tentei fazer parar um carro porque já respirava com dificuldade. Três carros pararam, mas ninguém quis trazer-me por causa da lama vermelha nos meus sapatos e calças. Finalmente, um quarto carro parou e levou-me à cidade mais próxima.
Desde então, o homem que me ajudou entrar em Devecser ligou-me para dizer que as forças armadas que deveriam ajudar na evacuação foram retiradas da área, a parede poderá cair nos próximos dias mas não haverá ninguém que possa evacuar a população. As pessoas foram condenadas à morte. Sinto ainda a garganta e os pulmões a arder e apenas passei algum tempo na zona afectada e com máscara. Muita gente não está a usar qualquer tipo de máscara e inala esta poeira tóxica há mais de duas semanas. Nem consigo imaginar o que estejam a sentir e o que lhes acontecerá…

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Comunicado do Bloco de Esquerda sobre a Escola EB2,3 de Minde

Consulte no link abaixo:

Requerimento ao Secretário de Estado do Ambiente

Bloco requereu a vinda do Secretário de Estado do Ambiente

à AR para esclarecer funcionamento da ETAR de Alcanena

O deficiente funcionamento da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alcanena, com mais de 20 anos, tem sido extremamente penalizador para a qualidade de vida e saúde pública das populações deste concelho, além de ser responsável pela poluição de recursos hídricos e solos.

Esta ETAR, destinada a tratar os efluentes da indústria de curtumes, foi desde a sua origem mal concebida, a começar por se situar em leito de cheia. Desde então os problemas são conhecidos e persistem: maus cheiros intensos; incumprimento regular dos valores-limite estabelecidos para o azoto e CQO das descargas de efluente tratado em meio hídrico; célula de lamas não estabilizadas, com deficiente selagem e drenagem de lixiviados e biogás; redes de saneamento corroídas, com fugas de efluentes não tratados para o ambiente; saturação da ETAR devido a escoamento das águas pluviais ser feita nas redes de saneamento.

Desde há muito que estes problemas são conhecidos e nada justifica, ainda mais com todo o avanço tecnológico existente ao nível do funcionamento das ETAR, que se chegue ao final de 2010 com esta situação. E pior se compreende quando é o próprio Ministério do Ambiente a constatar que gastou ao longo dos anos cerca de 50 milhões de euros para tentar responder a estes problemas.

Em Junho de 2009 foi assinado um protocolo para a reabilitação do sistema de tratamento de águas residuais de Alcanena pela ARH Tejo, o INAG, a Câmara Municipal e a AUSTRA (gestora da ETAR), com investimentos na ordem dos 21 milhões de euros de comparticipação comunitária.

Este protocolo inclui cinco projectos, os mais importantes dos quais com prazo final apenas em 2013, o que significa arrastar os principais problemas identificados até esta data. Como os prazos de início dos estudos destes projectos já sofreram uma derrapagem, dúvidas se colocam sobre o cumprimento dos prazos estabelecidos, ainda mais quando não há certezas sobre a disponibilização de verbas nacionais para co-financiar os projectos, tendo em conta o contexto de contenção actual.

Considerando a gravidade dos problemas causados pela ETAR de Alcanena para as populações e o ambiente, o deputado José Gusmão e a deputada Rita Calvário do Bloco de Esquerda solicitam uma audiência com o Secretário de Estado do Ambiente, com a finalidade de obter esclarecimentos sobre os investimentos previstos para a reabilitação do sistema de tratamento, as soluções escolhidas, o cumprimento de prazos, e as garantias que os mesmos oferecem para resolver o passivo ambiental existente, os focos de contaminação dos recursos hídricos e solo, os maus cheiros e qualidade do ar respirado pelas populações deste concelho. Seria de todo útil que o presidente ou representantes da ARH-Tejo estivessem presentes nesta audiência.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2010.

A Deputada O Deputado

Rita Calvário José Gusmão

Direito a não respirar “podre” – SIM ou NÃO?





No passado domingo, dia 12 de Dezembro, no Auditório Municipal de Alcanena, realizou-se uma conferência, dinamizada pelo Bloco de Esquerda, sobre a poluição em Alcanena.
Esta sessão reuniu um grupo de ‘preocupados’, que primeiramente ouviram as exposições de especialistas sobre o assunto e, no final, trocaram experiências e pontos de vista, baseados na própria vivência, bem como em conhecimentos técnicos e científicos.
Ficou bem patente que se trata de um grave problema de há muito sentido, mas também desvalorizado, do qual até ao momento não se conhecem as verdadeiras implicações para a saúde pública, mas que transtorna a vida de todos os que vivem e trabalham no concelho, tornando desagradável e doentio o seu dia a dia.
Ficou também claro que o Bloco de Esquerda, aliado desta causa, não abandonará a luta, que será levada até onde os direitos das pessoas o exigirem.

Comunicado de Imprensa

Leia em baixo o Comunicado de Imprensa de 3 de Dezembro do Bloco de Esquerda em Alcanena.

Clique aqui para ler

Reclamamos o DIREITO A RESPIRAR

Bloco de Esquerda continua na senda de uma solução para o grave problema de poluição ambiental em Alcanena



Na passada sexta-feira, dia doze de Novembro, uma delegação, composta pelo Deputado do Bloco de Esquerda pelo Distrito de Santarém, José Gusmão, e mais dois elementos do Bloco, foi recebida pela administração da Austra, no sentido de esclarecer alguns pontos relativos ao funcionamento da ETAR e à poluição que de há muito tem afectado Alcanena, com acrescida intensidade nos últimos tempos.

O Bloco de Esquerda apresentou já um requerimento ao Ministério do Ambiente, aguardando resposta.

Após a reunião com a administração da Austra, realizou-se na Sede do Bloco em Alcanena uma Conferência de Imprensa para fazer o ponto da situação.

Da auscultação da Austra, ficou claro para o Bloco de Esquerda que a ETAR de Alcanena não reúne as condições minimamente exigíveis, quer do ponto de vista do cumprimento da lei, quer da garantia de índices de qualidade do ar compatíveis com a saúde pública e o bem estar das populações.

A delegação do Bloco de Esquerda obteve do presidente da Austra o compromisso da realização de operações de monitorização da qualidade do ar em Alcanena, a realizar o mais tardar em Janeiro. De qualquer forma, o Bloco de Esquerda envidará esforços para que essa monitorização ocorra de forma imediata.

Embora existam planos para a total requalificação dos sistemas de despoluição, registamos com preocupação a incerteza sobre os financiamentos, quer nacional quer comunitário. O Bloco de Esquerda opor-se-á a que estes investimentos possam ser comprometidos por restrições orçamentais, e exigirá junto do Governo garantias a este respeito.

A participação popular foi e continuará a ser um factor decisivo para o acompanhamento e controlo da efectiva resolução do problema da qualidade do ar em Alcanena.

No âmbito da visita do Deputado do Bloco de Esquerda, José Gusmão, ao Concelho de Alcanena, realizou-se um jantar-convívio no Restaurante Mula Russa em Alcanena, ocasião também aproveitada para dialogar sobre assuntos inerentes ao Concelho. Mais tarde, José Gusmão, conviveu com um grupo de jovens simpatizantes num bar deste concelho.

No sábado, dia treze de Novembro, José Gusmão e outros elementos do Bloco de Esquerda estiveram em Minde, no Mercado Municipal, distribuindo jornais do Bloco, ouvindo e conversando com as pessoas.

Neste mesmo dia, junto ao Intermarché de Alcanena, José Gusmão contactou com as pessoas e entregou jornais do Bloco de Esquerda.

Num almoço realizado em Minde, no Restaurante Vedor, com um grupo de aderentes e simpatizantes do Bloco, houve mais uma vez oportunidade para ouvir opiniões, experiências e expectativas, bem como de exprimir pontos de vista.

O Bloco de Esquerda continuará a luta por um direito que parece ser inerente à própria condição humana, mas que vem sendo negado às pessoas que vivem e trabalham em Alcanena – o direito de respirar ar “respirável” e de não ser posta em causa a sua saúde.


A Coordenadora do Bloco de Esquerda de Alcanena

Poluição em Alcanena: Requerimento à Assembleia da República

Pessoas esclarecidas conhecem o seu direito de respirar ar puro e lutam pela sua reconquista já que alguns até isto usurparam.

O Bloco de Esquerda encetou a luta pela despoluição de Alcanena na legislatura anterior e continuará a manifestar-se e a rebelar-se contra esta desagradável e injusta situação até que no nosso concelho possamos respirar de novo.


Veja aqui Requerimento apresentado pelo BE quanto à questão da poluição em Alcanena

Carta à AUSTRA

Carta entregue pelo grupo de cidadãos "Chega de mau cheiro em Alcanena" ao Presidente da Austra e Presidente da Câmara Municipal de Alcanena

INAUGURAÇÃO DA SEDE DO BLOCO DE ESQUERDA EM ALCANENA

Francisco Louçã inaugurou no passado domingo, dia 31 de Outubro, a Sede do Bloco de Esquerda em Alcanena. Na inauguração esteve também representada a Coordenação Distrital do Partido; estiveram presentes aderentes e convidados. Esta ocasião especial foi uma oportunidade de convívio, acompanhada de um pequeno beberete.
Francisco Louçã falou, como sempre, de forma clara e apelativa, abordando a actual situação crítica do país,apontando as razões, propondo alternativas e caminhos.
Baseando-se no Socialismo Democrático, o Bloco de Esquerda tem sido sempre activo na defesa dos valores da verdadeira Democracia, e propõe-se continuar essa luta. Esta nova Sede é mais um ponto de encontro, de trabalho, de partilha de pontos de vista e de tomada de iniciativas, possibilitando que se ouçam as vozes de todas as pessoas e transmitindo os seus problemas e expectativas.
Trata-se de um pequeno espaço, que representa uma grande vontade de mudança e que espera contar com a presença de todos os que partilhem os ideais de um concelho mais próspero, de uma sociedade mais justa e equilibrada, de um país realmente mais avançado.