Agora acontece o mesmo com Portugal quando as autoridades europeias e os chamados “mercados”, na realidade os grandes grupos financeiros e empresariais, insistem para que o governo português solicite que o seu país seja “resgatado”.
Geralmente, quando se fala de “resgatar” um país parte-se de uma situação real e de gravidade que costuma manifestar-se num grande endividamento que dificulta ou impede fazer face aos compromissos de pagamento adquiridos. Contudo, quando isto acontece produz-se um engano muito bem orquestrado em relação às razões, problemas, soluções e efeitos da operação que se deseja levar a cabo.
O primeiro engano costuma dar-se com a natureza dos problemas de que padece o país que se diz que há que “resgatar”. Agora, como nos casos grego ou irlandês recentes, afirma-se que Portugal tem um grave endividamento público derivado do crescimento descontrolado dos seus gastos que o obrigam a recorrer a um vultuoso empréstimo para liquidar com ele as dívidas. Não é de todo certo, como assinalarei de seguida.
O segundo engano deriva do anterior. Para que o “resgate” seja útil afirma-se que deve ser acompanhado de medidas que resolvam o problema que originou a situação que se quer resolver e que, portanto, devem consistir, principalmente em cortar os gastos. Em consequência, os que dão o empréstimo para “resgatar” o país, neste caso Portugal, impõem políticas consistentes de cortar qualquer tipo de gasto público e em especial o ligado às actividades que dizem que o sector privado pode levar a cabo mais eficazmente, quer dizer, os serviços públicos (outro engano mais porque não é certo que o faça melhor e contudo é inevitável que o capital privado o forneça mais caro e a menos população), ou o que se considera improdutivo, como o ordenado dos funcionários, por exemplo.
Ao mesmo tempo engana-se também afirmando que o resultado do resgate será o maior incremento da actividade e da criação de emprego e que, portanto, graças a ele as águas da economia voltarão ao leito anterior e inclusive a um nível muito mais satisfatório de rendimento económico.
Desde que nos anos oitenta se começaram a produzir “resgates” em economias da América Latina pudemos ver como acaba este tipo de operações (com menos actividade, emprego e desigualdade e com mais pobreza) e analisando a situação dos países que foram ou que vão ser “resgatados” podemos comprovar sem demasiada dificuldade a natureza deste engano.
Os problemas económicos que Portugal tem não são o resultado de ter havido muito gasto público, de endividamento público. É verdade que o défice aumentou muito nos dois últimos anos mas isso produziu-se como consequência da crise que os bancos provocaram e de que se tenha imposto uma resposta baseada precisamente em salvá-los à custa dum preço extraordinariamente alto. De facto, o governo português, seguindo directrizes e exemplos europeus e a pressão dos próprios poderes financeiros, chegou a nacionalizar bancos em operações que lhe custaram muito caro.
Mas não é sequer isso que provoca os problemas mais agudos da economia portuguesa. O seu problema mais grave não é o endividamento público mas o externo e este vem-se produzindo nos últimos anos não precisamente porque tenha havido desperdício público mas como consequência das políticas neoliberais que destruíram a riqueza produtiva, a indústria e agricultura e que lhe cercearam as fontes de geração de resultados já de si débeis. Como em tantos outros países, foram estas políticas geradoras de escassez em honra de salvação do lucro dos grandes grupos oligárquicos e que obrigaram Portugal a vender os seus melhores activos produtivos ao capital estrangeiro que destruíram o tecido industrial e a produção agrária e que assim provocaram um debilitamento da sua capacidade de criar impulso económico, da sua competitividade e, como consequência, o aumento da dívida externa.
A realidade é que as políticas neoliberais promovidas pela União Europeia significaram um espartilho letal para a economia portuguesa e foram produzindo nos últimos anos um aumento do desemprego e da pobreza que se tratou de dissimular, entre outros meios, pelo facto de que o domínio dos grandes meios de comunicação está cada vez mais nas mãos desses mesmos capitais estrangeiros.
E quando a crise estalou e o governo assumiu a carga extraordinária do salvamento bancário, assim como quando sofreu a maior diminuição de resultados e aumento de gastos para evitar o colapso da economia, é que a situação se tornou já insustentável.
Portanto, é mentira que o “resgate” seja forçoso porque a economia portuguesa sofra devido ao endividamento público. Se se encontra cada vez mais debilitada é por outro tipo de razões.
E aqui entra outro engano especialmente perigoso. As medidas de que Portugal necessita para salvar a sua economia não são as dirigidas a reduzir o gasto mas a mudar o tipo de políticas que lhe têm ocasionado perda de resultados, de actividade e de emprego e uma desigualdade cada vez maior, que fez com que os rendimentos em aumento das classes ricas se tenham dedicado ao investimento financeiro ou imobiliário especulativo que deram grandes lucros a bancos também estrangeiros, entre os quais se destacam os espanhóis, mas que acumularam muito risco e criaram uma base cada vez mais volátil e débil para a economia portuguesa, como agora se pode comprovar.
O engano seguinte tem a ver com os efeitos benéficos que dizem que o “resgate” teria.
Contra o que afirmam os porta-vozes dos grandes grupos financeiros que o desejam, se aos problemas reais que acabo de mencionar se junta agora, como querem os que se dispõem a “resgatar” a Portugal, cortes nos gastos, diminuições de salários e em general políticas que vão produzir diminuição da procura, o que acontecerá é que a economia portuguesa se encontrará ainda pior porque todo isso apenas vai provocar uma queda do consumo, do investimento e do mercado internos e, portanto, menos actividade e menos emprego.
A realidade é que o “resgate” de Portugal, tal como se daria assim seguindo a linha de outros tantos anteriores (um empréstimo muito volumoso para que Portugal pague as dívidas acompanhado de medidas restritivas e de corte de direitos sociais e de gastos) não vai salvar a sua economia. É mentira que este tipo de operações resgate os países. Isto é apenas um último e definitivo engano: trata-se não de salvar o resgatar dum país mas dos bancos, principalmente, e dos grupos mais ricos e poderosos, uma vez que o que se faz com o resgate é pôr dinheiro para que eles cobrem as suas dívidas e obrigar a que a sociedade carregue com a factura da operação durante anos.
Tão certo isto é que se torna fácil e patético comprovar que são precisamente estes grupos financeiros e as autoridades europeias que apresentam uma boa prova de quem de verdade beneficiará com ele a quem se empenha em convencer os portugueses a pedir o “resgate”.
E isto põe sobre a mesa uma última questão. Um engano não menos importante. Talvez o pior. Aquele que tem a ver com o tipo de regime político em que vivemos e em que os eleitores, os cidadãos, não podem decidir realmente sobre as questões económicas.
Chamam-lhe democracia mas à vista do que vem sucedendo está cada vez mais claro que não o é porque se nos furtou a possibilidade de decidir sobre as questões económicas que evidentemente são uma parte central das que directamente afectam a nossa vida. E é justamente por isso que temos de fazer tudo o que esteja nas nossas mãos para tratar de mudá-lo. Isso sim seria um verdadeiro resgate. O resto é outro roubo.
Artigo publicado em Cuarto Poder, disponível no site de Attac Espanha
Traduzido por Paula Sequeiros, para esquerda.net
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