Nos últimos anos e também no seu livro mais recente, “Comunicação e Poder”, Manuel Castells teorizou sobre a instauração de um progressivo equilíbrio entre os velhos poderes mediáticos (comunicação de massa, entretenimento, sociedade de telecomunicações, produções televisivas etc.) e as novas oportunidades oferecidas pelos telemóveis, pelas redes sociais e por todos aqueles dispositivos quase sempre mais difundidos em nível global. Parece ter se tratado de um balanço sem um resultado predeterminado. O que está actualmente a ocorrer no mundo árabe parece, de repente, convalidar o fim desse equilíbrio.
Parece que ocorreu algo revolucionário: num certo ponto, foi definitivamente ultrapassado um limiar crucial. Está de acordo?
Sim, já que, se tivéssemos acompanhado de perto o que está a ocorrer nas sociedades de todo o mundo, principalmente na faixa da população acima dos 30 anos, teríamos nos dado conta de que os sinais já estavam aí. No meu livro publicado em Agosto de 2009, a análise proposta indicava já claramente como as redes horizontais de comunicação típicas da Internet e do wireless ofereciam aos movimentos sociais oportunidades de grande duração, maiores em termos de auto-mobilização e auto-organização, a partir do momento que a comunicação é a chave de toda actividade humana e que a Internet e o wireless definitivamente romperam o monopólio da comunicação filtrada por governos e empresas. O poder está na antena do próprio dispositivo de comunicação móvel, porque é o que conecta entre si as mentes das pessoas.
Vivemos hoje num contexto de transparência? Entre as faixas mais altas e as mais baixas da sociedade e o poder político, assistimos talvez a uma mudança irreversível?
É irreversível porque a tecnologia da comunicação opera uma desintermediação da comunicação de massa e porque nos encontramos no meio da revolução digital. A partir do momento em que é muito difícil conseguir controlar as redes (o Egipto tentou isso e fracassou totalmente), o mundo em que vivemos é caracterizado por um fluxo em grande parte livre de comunicação. Certamente, os mensageiros podem ser identificados e punidos, mas as mensagens seguem em frente pelo seu caminho. Dessa forma, se os poderes existentes não podem controlar as mentes, as pessoas são livres, pelo menos intelectualmente. Como isso se traduz em autonomia social e liberdade política depende dos processos específicos e das sociedades específicas, mas certamente estamos a assistir à aurora de uma nova era de profundas mudanças sociais e políticas.
As tecnologias horizontais de “autocomunicação de massa” (como lhes chama) parecem produzir consequências diferentes nos contextos diferentes. Em situações dramáticas, em sociedades opressivas e pobres, parece que elas se tornaram verdadeiramente uma arma de liberdade, um instrumento de segurança, revolucionário. Nas sociedades ricas, ao contrário, não parece que essas tecnologias sejam capazes de ajudar a esfera política a manter sob controlo o populismo galopante. Ao contrário.
Não estou de acordo. Em todos os casos, a Internet está a favorecer os movimentos populares e uma expressão mais livre da sociedade, deixando de lado o establishment político. A questão é que os modos em que a liberdade é explorada não são garantidos pela própria liberdade. Nos EUA, Obama não teria sido eleito sem o emprego da Internet numa extraordinária campanha popular que mobilizou jovens e minorias. Mas o Tea Party também é um movimento popular, semifascista e populista, e para a sua difusão e influência a Internet também se revelou crucial, porque Obama perdeu a batalha para conquistar a mente das pessoas, e a esquerda está completamente desmobilizada, apesar do facto de a batalha do Wisconsin (um exemplo do caro velho movimento de trabalhadores) aparecer hoje como um sinal de contra-ataque. Não podemos ceder ao determinismo tecnológico. A Internet garante a comunicação livre, mas os conteúdos dessa liberdade dependem dos actores sociais.
Qual é a sua reacção diante de mudanças tão fortes na nossa região?
Penso que a Europa está a atravessar uma profunda crise política. As instituições, os partidos, os líderes estão aprisionados na sua própria história, nos seus próprios interesses pessoais e, nalguns casos, na sua própria corrupção. Estão completamente retirados da sociedade e, particularmente, da sociedade futuro, isto é, das gerações mais jovens e das mulheres. A Itália é paradigmática nesse sentido. O fato de um personagem corrupto e desagradável como Berlusconi poder ser eleito mais de uma vez está ligado ao desconforto que os italianos já alimentam com relação a toda a classe política. Nesse ponto, é essencial a reconstituição da autonomia política em nível da base popular, e isso depende conjuntamente da instauração de comunicações horizontais entre os indivíduos que bypassem [passem por cima da autoridade] a captura dos média tradicionais. Nesse sentido, o mundo árabe, na sua forma laica e democrática, pode indicar o caminho para a Europa, séculos depois que a cultura árabe já iluminou as até então bárbaras sociedades cristãs.
29 de março de 2011
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Reproduzido de IHU On-line e de Outra Política
Sem comentários:
Enviar um comentário