Infelizmente o que acabo de descrever não é de agora, é a continuidade, agora muito agravada, de uma política governamental que não entende que a cultura permeia todo o estar e pensar das nossas vidas (por mais que falem em transversalidade, não entendem, não concebem, nem aplicam). Cultura é, em larga medida, criação e educação e por isso construção de conhecimento e pensamento crítico, elemento fulcral na garantia de cidadanias livres e conscientes. E é justamente por isso que ela não é algo externo a que os cidadãos devem ter acesso, como se de um luxo se tratasse.
Para além da sua dimensão antropológica e social, são conhecidos os estudos, sobretudo a nível europeu, que demonstram o seu enorme valor económico, bem como o seu potencial para criar emprego sustentável. Todavia, a nível nacional, a cultura é gerida por organismos precários, sem o mínimo de independência política e numa lógica que bem demonstra a sua consideração como elemento despesista na sociedade, enfim um opulento cenário insuportável em época de crise. Quem assim governa esquece que a cultura não é um lugar de serviços a prestar, embora a sua gestão a nível público também passe necessariamente por uma política cultural de serviço. No entanto esta não deve partir do princípio de disponibilização ou oferta, mas antes de múltiplas e iguais possibilidades de trabalho criativo nas artes, de conservação e comunicação no património material e imaterial, de estudo em todos.
Mas a cultura também é gerida a nível local e aqui impõe-se reflectir sobre a relação desta com os organismos que têm mais competências e meios: as autarquias. No que diz respeito à política cultural e num quadro de progressiva globalização, o papel dos órgãos de gestão local é absolutamente determinante. É aqui que residem os factores diferenciadores que importa demarcar numa lógica de integração territorial, social e também económica.
As autarquias estão próximas das pessoas, conhecem as suas necessidades, anseios e expectativas de bem-estar. Têm uma posição de enorme responsabilidade, porque o podem efectivamente fazer, na construção de mecanismos de comunicação e socialização de novos conhecimentos.É por isto que em matéria de política cultural é fundamental que as autarquias entendam o seu papel de mediação, que vão, na sua concepção de cultura, muito além da programação de eventos ou da garantia de acesso a infra-estruturas. Todos (?) sabemos que iniciativas descontextualizadas e descontinuadas não potenciam nada, porventura uma impressão que, mesmo quando muito boa, é fugaz. Todos sabemos que o formato pacote cultural por encomenda, não é aquele que leva à integração, nem estimula o desejo de actividade cultural por parte das comunidades. Nada contra a itinerância de espectáculos ou exposições pelo país, pelo contrário, o que quero dizer é que estes podem existir , mas é fundamental a consciência de que devem estar enquadrados em projectos culturais e educativos emergentes do conhecimento dos lugares e das expectativas das pessoas que aí vivem. Evidentemente sem correr o risco de os projectos ao olharem para o seu território se fechem sobre si próprios.
É uma questão de optar pela integração, pela construção e evitar a intermitência descontextualizada. Uma opção óbvia mas que esbarra demasiadas vezes no factor despesa, bem como no delicado equilíbrio entre construir com quem está, sem descurar a atractividade turística. Que o digam as autarquias mais pequenas e entre estas as mais rurais… Nestes casos por muitas razões o papel dos autarcas assume uma responsabilidade maior na forma como lida com a dinâmica da cultura, quem decide e para quem decide? É aqui que é fundamental não esquecer que a cultura é muito mais do que o evento artifício e que as autarquias, com os mais diversos grupos de cidadãos, associações ou entidades, pensem a cultura num quadro de articulação estratégica entre as relações sociais e económicas estruturantes do desenvolvimento sustentável dos seus territórios.
Sem comentários:
Enviar um comentário