domingo, 14 de agosto de 2011

E o crescimento, para quê?


O crescimento da actividade económica não deve ser o objectivo de uma economia socialista ou em transição para o socialismo.
Num momento em que as políticas de austeridade redistribuem riqueza dos pobres para os ricos e destroem a actividade económica, parece uma loucura colocar em questão o crescimento económico como objectivo político. Afinal, a crítica comum às políticas de austeridade, de cariz keynesiano, é a de que estas políticas travam o crescimento económico, agravando a recessão. Permitam-me, contudo, defender que o crescimento da actividade económica não deve ser o objectivo de uma economia socialista ou em transição para o socialismo.
Antes de mais, um esclarecimento. Não contesto neste momento a necessidade de recuperar o aparelho produtivo destruído pela voracidade neoliberal que tem percorrido a Europa ou a necessidade de gerar os meios financeiros que nos permitam pagar a dívida e estabilizar as contas públicas. Nesse sentido, concordo com a crítica keynesiana ao “austeritarismo”. Mas a exigência de encontrar respostas para a política concreta e imediata não nos deve desviar da necessidade de reflexão sobre que tipo de sociedade queremos construir, indo além da postura reactiva que acabamos por adoptar aquando de uma ofensiva neoliberal como a que atravessamos. Discutamos então o crescimento como objectivo político.
As preocupações com as consequências nocivas que a expansão do comércio poderia ter na sociedade são tão antigas quanto o próprio comércio. Na Grécia antiga essa era uma preocupação comum e podemos encontrar em Aristóteles uma das críticas mais antigas à ideia de que a acumulação ilimitada de bens materiais não deveria fazer parte da “boa vida”. Para o filósofo, era evidente que a riqueza não é o bem que perseguimos.
Ainda na obra de Aristóteles, encontramos uma distinção entre economia e crematística, sendo que a primeira diz respeito à provisão dos bens necessários à vida feliz e virtuosa e a segunda se resume à acumulação de riqueza. A crematística distingue-se ainda entre a natural, necessária à boa vida, e a artificial, que consiste na acumulação ilimitada de bens e propriedade. Para Aristóteles, a invenção da moeda e a intensificação das trocas comerciais levariam à degenerescência da economia na crematística artificial.
Foi com base na teoria económica aristotélica que Marx estabeleceu a importante distinção entre valor de uso e valor de troca. Mais importante ainda para os propósitos desta discussão, enquanto sistema económico, o socialismo é definido como um sistema que se baseia na produção de valores de uso, por oposição ao capitalismo, que depende da produção de valores de troca. O socialismo, defendia ainda Marx, é a sociedade do ser, por oposição à sociedade do ter.
Mas Marx deixa-se deslumbrar pela máquina de produção capitalista, ao ponto de ter colocado no mesmo saco o socialismo e a expansão das forças produtivas. Tragicamente, esta foi a parte do seu pensamento que sobreviveu nos manuais da ortodoxia marxista, tendo sido ignorada a sua crítica ao produtivismo enquanto ideal anti-social e anti-ecológico.
Um contemporâneo de Marx, contudo, levou até às últimas consequências a sua crítica ao produtivismo, tendo argumentado a favor de uma sociedade de crescimento zero. O economista liberal John Stuart Mill defendeu nos seus Princípios de Economia Política que “(...) o melhor estado para a natureza humana é aquele em que, embora ninguém seja pobre, ninguém deseja ser mais rico, nem tem qualquer razão para recear ser puxado para trás pelos esforços de outros para se empurrarem para a frente”1. Ao definir a sociedade ideal como aquela em que a redistribuição se torna mais importante que a produção, Mill aproximou-se do ideal socialista que tanto criticou.
Esta é, portanto, a essência da crítica moral ao crescimento da produção e do consumo além de um patamar considerado essencial para que toda a gente tenha uma boa qualidade de vida: a noção de que a acumulação de riqueza ilimitada alimentada pela concorrência corrói valores que deveriam ser estimados socialmente. Mas o surgimento do movimento ecologista moderno trouxe uma outra dimensão à crítica do “crescimentismo”, baseada na constatação de que a expansão exponencial do consumo e da produção nas décadas do pós-segunda guerra mundial implicou um crescimento também exponencial no consumo de recursos.
O pensamento eco-socialista incorporou sem grandes dificuldades a crítica ao crescimento, interpretando-a como uma crítica ao sistema capitalista. Como explica Chris Williams, autor do recente livro “Ecology and Socialism”, numa entrevista à revista Counterpunch, o capitalismo não pode ser sustentável porque se baseia na expansão constante da produção2. A necessidade de expansão constante faz parte do código genético do capitalismo, na medida em que resulta da corrida pelo lucro, uma corrida em que vence quem conseguir vender mais, independentemente da utilidade do produto.
Ora, a expansão da produção implica a expansão do consumo de energia e de recursos, assim como da poluição. Os ganhos de eficiência, por muito consideráveis que sejam, são largamente insuficientes para anular esta tendência, como os dados históricos demonstram inequivocamente. De onde decorre que uma sociedade sustentável é aquela em que a produção, o consumo, a acumulação de capital, em suma, a crematística, é limitada. Apenas uma sociedade socialista o pode fazer de forma justa e democrática, como têm argumentado socialistas contemporâneos como Pat Devine ou John O'Neill.
A boa notícia é que a colocação de limites à produção não tem de implicar qualquer sacrifício de bem-estar. De facto, os dados quantitativos demonstram como a acumulação de riqueza apenas leva a uma melhoria nos indicadores que usualmente recorremos para avaliar o bem-estar das populações, como a esperança média de vida, a mortalidade infantil, a instrução ou até o nível de felicidade auto-reportado, dentro de um intervalo limitado. Para além desse intervalo, a tendência é para estes indicadores se manterem constantes à medida que o PIB aumenta. Mais de dois milénios depois, a estatística confirma a intuição de Aristóteles, na medida em que nos permite claramente diferenciar a crematística natural e artificial.
Uma sociedade socialista sustentável é uma sociedade em que, colectivamente, consumimos menos e produzimos menos do que actualmente. É uma sociedade em que usamos transportes colectivos em vez do transporte individual, em que um telemóvel ou um computador dura uma vida, em que não temos a casa cheia de coisas de que não necessitamos, em que o consumismo dá lugar à partilha e o espaço público substitui de novo o centro comercial como zona de lazer privilegiada. É uma sociedade na qual todos/as têm acesso ao que é essencial para viver bem, num sentido lato da palavra “essencial”, mas ninguém tem o luxo de viver melhor à custa de outros/as ou da natureza da qual dependemos. Em suma, é uma sociedade em que impera a economia do “suficiente”, em vez da economia do “mais”.
Atrevo-me a dizer que esta é uma sociedade melhor. Atrevo-me até a defender que este não é um grande atrevimento. Afinal, será um pouco estranho um socialista hoje, perante a crise ecológica que atravessamos, contentar-se com defender uma melhor distribuição da produção, não indo mais além para também defender o fim do produtivismo.
1 Texto do capítulo “On the stationary state” disponível emhttp://www.efm.bris.ac.uk/het/mill/book4/bk4ch06

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Comunicado do Bloco de Esquerda sobre a Escola EB2,3 de Minde

Consulte no link abaixo:

Requerimento ao Secretário de Estado do Ambiente

Bloco requereu a vinda do Secretário de Estado do Ambiente

à AR para esclarecer funcionamento da ETAR de Alcanena

O deficiente funcionamento da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alcanena, com mais de 20 anos, tem sido extremamente penalizador para a qualidade de vida e saúde pública das populações deste concelho, além de ser responsável pela poluição de recursos hídricos e solos.

Esta ETAR, destinada a tratar os efluentes da indústria de curtumes, foi desde a sua origem mal concebida, a começar por se situar em leito de cheia. Desde então os problemas são conhecidos e persistem: maus cheiros intensos; incumprimento regular dos valores-limite estabelecidos para o azoto e CQO das descargas de efluente tratado em meio hídrico; célula de lamas não estabilizadas, com deficiente selagem e drenagem de lixiviados e biogás; redes de saneamento corroídas, com fugas de efluentes não tratados para o ambiente; saturação da ETAR devido a escoamento das águas pluviais ser feita nas redes de saneamento.

Desde há muito que estes problemas são conhecidos e nada justifica, ainda mais com todo o avanço tecnológico existente ao nível do funcionamento das ETAR, que se chegue ao final de 2010 com esta situação. E pior se compreende quando é o próprio Ministério do Ambiente a constatar que gastou ao longo dos anos cerca de 50 milhões de euros para tentar responder a estes problemas.

Em Junho de 2009 foi assinado um protocolo para a reabilitação do sistema de tratamento de águas residuais de Alcanena pela ARH Tejo, o INAG, a Câmara Municipal e a AUSTRA (gestora da ETAR), com investimentos na ordem dos 21 milhões de euros de comparticipação comunitária.

Este protocolo inclui cinco projectos, os mais importantes dos quais com prazo final apenas em 2013, o que significa arrastar os principais problemas identificados até esta data. Como os prazos de início dos estudos destes projectos já sofreram uma derrapagem, dúvidas se colocam sobre o cumprimento dos prazos estabelecidos, ainda mais quando não há certezas sobre a disponibilização de verbas nacionais para co-financiar os projectos, tendo em conta o contexto de contenção actual.

Considerando a gravidade dos problemas causados pela ETAR de Alcanena para as populações e o ambiente, o deputado José Gusmão e a deputada Rita Calvário do Bloco de Esquerda solicitam uma audiência com o Secretário de Estado do Ambiente, com a finalidade de obter esclarecimentos sobre os investimentos previstos para a reabilitação do sistema de tratamento, as soluções escolhidas, o cumprimento de prazos, e as garantias que os mesmos oferecem para resolver o passivo ambiental existente, os focos de contaminação dos recursos hídricos e solo, os maus cheiros e qualidade do ar respirado pelas populações deste concelho. Seria de todo útil que o presidente ou representantes da ARH-Tejo estivessem presentes nesta audiência.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2010.

A Deputada O Deputado

Rita Calvário José Gusmão

Direito a não respirar “podre” – SIM ou NÃO?





No passado domingo, dia 12 de Dezembro, no Auditório Municipal de Alcanena, realizou-se uma conferência, dinamizada pelo Bloco de Esquerda, sobre a poluição em Alcanena.
Esta sessão reuniu um grupo de ‘preocupados’, que primeiramente ouviram as exposições de especialistas sobre o assunto e, no final, trocaram experiências e pontos de vista, baseados na própria vivência, bem como em conhecimentos técnicos e científicos.
Ficou bem patente que se trata de um grave problema de há muito sentido, mas também desvalorizado, do qual até ao momento não se conhecem as verdadeiras implicações para a saúde pública, mas que transtorna a vida de todos os que vivem e trabalham no concelho, tornando desagradável e doentio o seu dia a dia.
Ficou também claro que o Bloco de Esquerda, aliado desta causa, não abandonará a luta, que será levada até onde os direitos das pessoas o exigirem.

Comunicado de Imprensa

Leia em baixo o Comunicado de Imprensa de 3 de Dezembro do Bloco de Esquerda em Alcanena.

Clique aqui para ler

Reclamamos o DIREITO A RESPIRAR

Bloco de Esquerda continua na senda de uma solução para o grave problema de poluição ambiental em Alcanena



Na passada sexta-feira, dia doze de Novembro, uma delegação, composta pelo Deputado do Bloco de Esquerda pelo Distrito de Santarém, José Gusmão, e mais dois elementos do Bloco, foi recebida pela administração da Austra, no sentido de esclarecer alguns pontos relativos ao funcionamento da ETAR e à poluição que de há muito tem afectado Alcanena, com acrescida intensidade nos últimos tempos.

O Bloco de Esquerda apresentou já um requerimento ao Ministério do Ambiente, aguardando resposta.

Após a reunião com a administração da Austra, realizou-se na Sede do Bloco em Alcanena uma Conferência de Imprensa para fazer o ponto da situação.

Da auscultação da Austra, ficou claro para o Bloco de Esquerda que a ETAR de Alcanena não reúne as condições minimamente exigíveis, quer do ponto de vista do cumprimento da lei, quer da garantia de índices de qualidade do ar compatíveis com a saúde pública e o bem estar das populações.

A delegação do Bloco de Esquerda obteve do presidente da Austra o compromisso da realização de operações de monitorização da qualidade do ar em Alcanena, a realizar o mais tardar em Janeiro. De qualquer forma, o Bloco de Esquerda envidará esforços para que essa monitorização ocorra de forma imediata.

Embora existam planos para a total requalificação dos sistemas de despoluição, registamos com preocupação a incerteza sobre os financiamentos, quer nacional quer comunitário. O Bloco de Esquerda opor-se-á a que estes investimentos possam ser comprometidos por restrições orçamentais, e exigirá junto do Governo garantias a este respeito.

A participação popular foi e continuará a ser um factor decisivo para o acompanhamento e controlo da efectiva resolução do problema da qualidade do ar em Alcanena.

No âmbito da visita do Deputado do Bloco de Esquerda, José Gusmão, ao Concelho de Alcanena, realizou-se um jantar-convívio no Restaurante Mula Russa em Alcanena, ocasião também aproveitada para dialogar sobre assuntos inerentes ao Concelho. Mais tarde, José Gusmão, conviveu com um grupo de jovens simpatizantes num bar deste concelho.

No sábado, dia treze de Novembro, José Gusmão e outros elementos do Bloco de Esquerda estiveram em Minde, no Mercado Municipal, distribuindo jornais do Bloco, ouvindo e conversando com as pessoas.

Neste mesmo dia, junto ao Intermarché de Alcanena, José Gusmão contactou com as pessoas e entregou jornais do Bloco de Esquerda.

Num almoço realizado em Minde, no Restaurante Vedor, com um grupo de aderentes e simpatizantes do Bloco, houve mais uma vez oportunidade para ouvir opiniões, experiências e expectativas, bem como de exprimir pontos de vista.

O Bloco de Esquerda continuará a luta por um direito que parece ser inerente à própria condição humana, mas que vem sendo negado às pessoas que vivem e trabalham em Alcanena – o direito de respirar ar “respirável” e de não ser posta em causa a sua saúde.


A Coordenadora do Bloco de Esquerda de Alcanena

Poluição em Alcanena: Requerimento à Assembleia da República

Pessoas esclarecidas conhecem o seu direito de respirar ar puro e lutam pela sua reconquista já que alguns até isto usurparam.

O Bloco de Esquerda encetou a luta pela despoluição de Alcanena na legislatura anterior e continuará a manifestar-se e a rebelar-se contra esta desagradável e injusta situação até que no nosso concelho possamos respirar de novo.


Veja aqui Requerimento apresentado pelo BE quanto à questão da poluição em Alcanena

Carta à AUSTRA

Carta entregue pelo grupo de cidadãos "Chega de mau cheiro em Alcanena" ao Presidente da Austra e Presidente da Câmara Municipal de Alcanena

INAUGURAÇÃO DA SEDE DO BLOCO DE ESQUERDA EM ALCANENA

Francisco Louçã inaugurou no passado domingo, dia 31 de Outubro, a Sede do Bloco de Esquerda em Alcanena. Na inauguração esteve também representada a Coordenação Distrital do Partido; estiveram presentes aderentes e convidados. Esta ocasião especial foi uma oportunidade de convívio, acompanhada de um pequeno beberete.
Francisco Louçã falou, como sempre, de forma clara e apelativa, abordando a actual situação crítica do país,apontando as razões, propondo alternativas e caminhos.
Baseando-se no Socialismo Democrático, o Bloco de Esquerda tem sido sempre activo na defesa dos valores da verdadeira Democracia, e propõe-se continuar essa luta. Esta nova Sede é mais um ponto de encontro, de trabalho, de partilha de pontos de vista e de tomada de iniciativas, possibilitando que se ouçam as vozes de todas as pessoas e transmitindo os seus problemas e expectativas.
Trata-se de um pequeno espaço, que representa uma grande vontade de mudança e que espera contar com a presença de todos os que partilhem os ideais de um concelho mais próspero, de uma sociedade mais justa e equilibrada, de um país realmente mais avançado.