O debate internacional promovido pelo Bloco e o PEE sobre justiça climática começou esta sexta-feira e continua neste sábado. Após o fracasso da cimeira de Copenhaga, o vice-presidente do Painel das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas apelou à "pressão sobre os líderes políticos" para assumirem metas de redução das emissões de gases poluentes.
"O Clima está farto de nós?" é a questão que lança os debates que continuam este sábado na Livraria Ler Devagar, na LX Factory em Lisboa. A abrir o primeiro painel de discussão, a deputada Rita Calvário abordou o fracasso da cimeira de Copenhaga, onde as soluções apontadas procuravam introduzir a lógica de negócio no combate às alterações do clima, e saudou a única vitória da cimeira, sujeita pela primeira vez a um movimento social de protesto, que acabou por ser o grande protagonista.
Filipe Duarte Santos, catedrático de Física da Universidade de Lisboa que em 1991 coordenou o primeiro e único Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Portugal, afirmou que "o mundo está viciado nos combustíveis fósseis", e sobre a evolução das emissões de CO2 acrescentou que "se continuarmos a emitir a este ritmo, a temperatura média global aumentará e o mesmo sucederá com os fenómenos climáticos extremos.
Em seguida caracterizou as respostas apontadas para combater este cenário - a mitigação e a adaptação -, sublinhando que são justamente "os países com menores emissões per capita que são os mais vulneráveis", uma vez que nem todos os países têm a mesma capacidade de adaptação, como demonstram os efeitos das cheias na Florida e no Bangladesh.
Filipe Duarte Santos lembrou ainda que o primeiro sinal de alerta sobre o aumento dos fenómenos climáticos extremos surgiu do sector das seguradoras nos anos 70, preocupadas com o aumento das indemnizações pagas em resultado de catástrofes naturais.
Em seguida, o professor da Faculdade de Ciências da UL dirigiu algumas questões a Jean Pascal van Ypersele, o vice presidente o Painel das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (IPCC). Os relatórios deste organismo têm estado sob escrutínio apertado nos últimos meses e foram o alvo da campanha que procura negar a influência da actividade humana e das emissões de CO2 no aumento da temperatura média no planeta.
Van Ypersele defendeu o trabalho dos cientistas que estudam as alterações climáticas e garantiu que vai aumentar a colaboração dos diversos grupos de trabalho para o próximo relatório do IPCC, que "foi fundado para recolher e proporcionar a informação mais exacta da comunidade científica aos decisores políticos.
"Os últimos estudos indicam que se continuarmos a queimar petróleo e gás a este ritmo, o resultado é um aquecimento que nalgumas zonas pode ser muito severo", afirmou van Ypersele. "Mas os países que vendem esses combustíveis fósseis não estão contentes com isso, o que pode explicar a exploração de duas ou três falhas em três mil páginas, a poucas semanas de Copenhaga e umas semanas depois, quando as negociações se iriam reatar", rematou o dirigente do IPCC.
Van Ypersele manifestou-se "optimista" em relação ao cumprimento de metas ambiciosas de redução das emissões. "Mas este optimismo só fará sentido se houver pressão junto dos líderes políticos mundiais e se pensarmos que é possível mudar a economia para usar mais energias renováveis em vez de combustíveis fósseis", sublinhou o climatologia que participou no debate através de videoconferência.
Para abordar os fenómenos climáticos extremos, o uso do solo e a degradação ambiental, interveio em seguida Maria José Roxo, professora do Grupo de Ambiente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, apoiando-se na experiência do seu trabalho na região de Mértola.
A geógrafa e investigadora afirmou que ao contrário do que se muita gente pensa, "os fenómenos climáticos extremos não são cíclicos" e mostrou o resultado da pesquisa na imprensa alentejana desde o século XIX sobre inundações e períodos de seca. Verifica-se que o século XX corresponde a uma diminuição da precipitação média anual e o aumento das secas. Já este século, em 2004 e 2005, ocorreu a maior seca desde que existem registos na região.
Maria José Roxo criticou a "má utilização dos solos e as políticas erradas" para adaptar o território às condições do clima. E deu exemplos com imagens de má reflorestação, do monocultivo de cereais e do pinheiro, com o risco acrescido dos fogos florestais, dos olivais super-intensivos, das culturas não adaptadas ao solo, como os girassóis e outras plantações para biocombustíveis, e da criação de gado numa quantidade que o território não pode suportar, mas que o Estado subsidia.
"Desertificação é uma coisa, despovoamento é outra. Desertificação é o uso irracional do solo", disse Maria José Roxo, propondo em alternativa uma "atitude preventiva, mais informação e utilização dos saberes ancestrais e maior empenho da sociedade" para que aquele território possa adaptar-se aos fenómenos climáticos extremos do futuro.
O segundo painel foi introduzido pela eurodeputada Marisa Matias, assinalando a importância da reflexão sobre os impactos sociais das alterações climáticas. Ian Angus, fundador da Rede Internacional Ecosocialista e editor do "Socialist Voice" do Canadá, afirmou ser "um admirador do Bloco de Esquerda do outro lado do Atlântico" e procurou explicar a contradição entre as palavras e os actos dos homens mais poderosos do mundo quando questionados se querem ver os seus filhos e netos a viver num planeta envenenado. "Marx tinha uma expressão para explicar porque é assim: esta gente é a 'personificação do capital'. O capital não tem filhos nem netos e tem só uma necessidade: o crescimento. E o lucro é a medida do seu sucesso".
"Deitar lixo para o planeta é uma característica importante do capitalismo. Poluir está no ADN do sistema. Se as três mil maiores empresas pagassem os estragos que causam, ficavam sem um terço dos lucros. Esse dinheiro é pago por todos", prosseguiu Ian Angus, que viu nos protestos dos ecologistas e dos países mais pobres o aspecto mais positivo da cimeira de Copenhaga. O dirigente ecosocialista destacou ainda o apelo de Evo Morales à constituição de um Tribunal Internacional de Justiça Climática e a cimeira internacional em Cochabamba, em meados de Abril, onde o Bloco estará representado por Marisa Matias.
Em seguida interveio Roberto Musacchio, que foi vice-presidente da Comissão ad-hoc sobre Alterações Climáticas no Parlamento Europeu. Musacchio defendeu a urgência de um novo tratado após o falhanço de Copenhaga e congratulou-se com o pacote europeu de ambiente provado pelos eurodeputados. "A crise climática precisa de decisões globais e a Europa percebeu isso", afirmou o o antigo eurodeputado da Refundação Comunista italiana.
"Berlusconi veio dizer que quando há uma crise económica é impossível responder à do clima. Na União Europeia, dissemos que não é assim", prosseguiu o ex-eurodeputado italiano, apontando também aspectos positivos do protocolo de Quioto, dado ser "a primeira vez que a comunidade internacional decidiu reduzir e não aumentar o crescimento". "Agora precisamos de um novo tratado, com metas, objectivos, calendários, e não uma lista de boas vontades", defendeu Roberto Musacchio.
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