Os cortes vão directamente ao coração de domínios essenciais na vida das pessoas. Quando se abatem 800 milhões de euros na saúde (menos 10% do orçamento do ano anterior) é óbvio que serviços fundamentais como os das urgências ou as cirurgias serão afectados. Quando se reduzem 510 milhões de euros na educação e ciência, afirmando que um quinto desse montante se fará suprimindo "ofertas não essenciais no ensino básico", torna-se também evidente que até o leite escolar pode estar em causa. Quando "desaparecem" 205 milhões na segurança social, o pobre tem razões para desconfiar. Com efeito, mais de um terço do montante obtém-se pela "melhoria dos procedimentos inerentes à aplicação das condições de recurso no acesso às prestações sociais". Ou seja, os beneficiários das prestações sociais passam à condição de 'suspeitos' e a garantia de recorrer de uma decisão administrativa torna-se uma função da 'limpeza' do sistema. A sensibilidade social não faz parte da acção governativa. Não há 'passe social +' que o disfarce.
O governo bem pode tentar refugiar-se na troika para justificar estas e outras medidas, como a tenebrosa antecipação para Outubro da subida do IVA sobre a electricidade e o gás, de 6 para 23%. Ao contrário do que anunciaram, os cortes não abatem as "gorduras" e não são, sequer, uma dieta. Atingem antes o núcleo duro da dimensão social do Estado. Foi, aliás, o enfraquecimento do Estado social durante anos que tornou possível que os "cortes fáceis" sejam os que afectam domínios que determinam a própria razão de existência do Estado. Houve um tempo em que este ainda era visto como garantia de igualdade social, de acesso à saúde ou à educação. É caso para dar razão ao ditado: "eira que não tem beira, o vento leva os grãos". Nos últimos anos foram-se as "beiras", o governo recolhe agora os grãos.
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