quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A nova União Europeia

As exigências insólitas que nos vão chegando de Bruxelas são os ecos distantes de uma disputa do poder global.
Todos temos tomado conhecimento através dos meios de comunicação social de algumas notícias invulgares provenientes da Alemanha. Notícias como a Alemanha ter levado a UE a exigir o depósito prévio dos orçamentos dos Estados-membros; a Alemanha pensar em retirar o direito de voto aos Estados que não cumpram as regras de estabilidade do euro, e agora, até em relação a Portugal, a Alemanha recomendar que o país se esforce ainda mais nas suas medidas de austeridade.
Ora, de facto não se pode negar este novo posicionamento que a Alemanha está a assumir no quadro da UE. E o ponto é que, sempre que estão em causa questões económicas, fica-se como que predisposto a aceitar as afirmações e orientações alemãs como dogmas na matéria: afinal sempre se trata do país que foi capaz de sair do nada, posterior à Segunda Guerra Mundial, e chegar à prosperidade actual através de um “milagre” económico.
Por isso, talvez não seja inútil relembrar um pouco o que foi esse milagre. E nunca é demais recordar que ele só começou por ser possível graças à ajuda financeira dos Estados Unidos para a reconstrução. No entanto, para além desta situação, há outra, que é talvez menos conhecida, e que importa referir. Citando Naomi Klein, no fim da guerra a economia alemã estava arruinada e ameaçava arrastar toda a Europa Ocidental para o abismo. Além disto havia tantos alemães que se sentiam inclinados para o socialismo que o governo dos Estados Unidos preferiu antes aceitar a divisão da Alemanha do que perder todo o país. E assim, na Alemanha Ocidental, o governo americano construiu através do plano Marshall um sistema capitalista que estava pensado não só para criar rapidamente e sem problemas novos mercados para a Ford e a Sears, mas também para que dele resultasse um tal sucesso, que a economia da Europa prosperasse e o comunismo perdesse a sua atractividade.
Isto significou que em 1949 foram toleradas todas as medidas políticas possíveis ao governo da Alemanha Ocidental, e que eram medidas que de capitalista nada tinham: criação de novos postos de trabalho pelo Estado, investimentos gigantescos no sector público, subvenções para as empresas alemãs e apoio a sindicatos fortes.
Mas, e como refere ainda Naomi Klein, houve ainda mais uma medida, que na Rússia dos anos 90 ou no Iraque ocupado teria sido perfeitamente impensável: o governo americano impôs à sua própria indústria uma proibição provisória do investimento estrangeiro, para que as empresas alemãs abaladas pela guerra não fossem obrigadas a entrar na luta concorrencial antes de se terem recuperado. Segundo a autora de um livro sobre a história do plano Marshall, Carolyn Eisenberg, citada por Naomi Klein, argumentava-se mesmo que deixar entrar empresas estrangeiras na Alemanha nessa altura seria o mesmo que pirataria.1
Ora então pensemos: se nos derem todo o dinheiro que precisamos, se nos deixarem implementar todas as medidas políticas e económicas necessárias ao crescimento, incluindo medidas socialistas numa economia que se quer capitalista, se tivermos um gigante político empenhado em apoiar-nos e que considera o nosso crescimento e o nosso elevado nível de prosperidade como parte decisiva da tutela dos seus próprios interesses geo-estratégicos e que para tal vai ao ponto de não permitir às suas próprias empresas que nos façam concorrência, então onde está o “milagre”? Quem conhece o poder da indústria americana e sabe como as multinacionais defendem os seus interesses, compreende que o “milagre alemão” nem é nenhum “milagre”, é obra da vontade política dos Estados Unidos.
Ora, é esta mesma vontade política que continua a impulsionar a Alemanha, mas agora no quadro da União Europeia. Não é nenhum segredo, e os pensadores da hegemonia americana escrevem abertamente sobre o tema, que os Estados Unidos pretendem e precisam de uma União Europeia coesa, que funcione como prolongamento e apoio do seu poder político e militar no continente europeu e como plataforma para a expansão dos interesses americanos em direcção ao leste, com vista ao alargamento da influência sobre o continente formado pela Europa e pela Ásia, a chamada Eurásia.
Para tal, os Estados Unidos necessitavam, por um lado, que a União Europeia fosse alargada a Leste: já em 1996 Samuel Huntington deixava claro na sua conhecida obra “The Clash of Civilizations” que para preservar a civilização europeia face ao declínio do poder ocidental, era no interesse dos Estados Unidos e dos países europeus que fossem incorporados na União Europeia e na Nato os estados ocidentais da Europa central, isto, é, os Estados Visegrado, (Hungria, República Checa, Eslováquia e Polónia), as repúblicas bálticas (Estónia, Letónia e Lituânia), a Eslovénia e a Croácia.2 Como, de facto, sucedeu, faltando apenas a adesão da Croácia à UE, mas cujas negociações estão em curso.
E por outro lado, os Estados Unidos precisam que o poder na União Europeia seja organizado à volta de poucos Estados. E também Huntington já tratava a Alemanha e a França como os estados-núcleo (the core states) da União Europeia,3 aqueles que teriam esta função de organização. Como de facto, e sobretudo com a aprovação do Tratado de Lisboa, está a suceder.
Quanto às finalidades desta construção, já em 1997 um antigo e influente conselheiro do Presidente Carter, Zbigniew Brzezinski, depois de considerar a Eurásia, o tabuleiro de xadrez político que se estende de Lisboa a Vladivostok, como o principal ganho geopolítico americano, dizia que para os Estados Unidos a questão central era a da construção de uma Europa com capacidade de subsistir sobre a base de uma parceria alemã-francesa, que continuasse aliada da América e pudesse aumentar a área em que vigorasse o sistema democrático de cooperação internacional, do qual estava estreitamente dependente a possibilidade de os Estados Unidos assumirem com toda a eficácia a sua posição de primazia global.4
Aquilo a que estamos a assistir na UE em 2010 é a concretização deste projecto de hegemonia global, já de há muito pensado e progressivamente concretizado, um passo após o outro. Aquelas medidas e exigências insólitas que nos vão chegando de Bruxelas são os ecos distantes de uma disputa do poder global, que tem como centro a posição dos Estados Unidos no mundo, como orientação o Leste da Europa e a Ásia, e na qual nós não somos chamados a pronunciar-nos.
Assim, dada a localização imediata dos interesses da UE no centro-norte e leste europeu, os estados do sul, já democratizados e estabilizados, perderam qualquer possível relevância para o novo poder político e passaram a ser considerados apenas como um custo, que se paga de má vontade, porque o interesse do poder é usar todos os meios financeiros europeus possíveis na estabilização das estruturas politicas, económicas e jurídicas nos novos países membros do leste europeu, como pedras de apoio indispensáveis na luta pela progressiva conquista de influência na Eurásia.
O caso da Grécia é, assim, paradigmático. Não é a questão da ajuda financeira ao país que mais incomoda os novos líderes europeus: basta lembrar que muitíssimo mais do que as ajudas à Grécia foi já gasto e continua a ser gasto na ”salvação” de bancos falidos. A questão é que na UE actual não faz sentido que se gaste no sul o dinheiro que se quer gastar no leste. E assim transformou-se o caso grego num arraial mediático, com a única finalidade de ganhar legitimidade para fazer exigências de austeridade a outros países, entre os quais, obviamente, a nós.
E, por último, ainda se utilizou o caso da Grécia para estender uma suspeita generalizada, e não concretizada, de falsificação potencial de contas públicas a outros países membros da União Europeia e a partir daí formular-se a exigência de inspecção dos respectivos orçamentos nacionais.
No entanto, e em relação a esta última consequência do caso, temos que admitir, caro leitor, que ficamos perplexos. Se os actuais dirigentes europeus resolveram duvidar de nós e querem examinar as contas públicas portuguesas, nós, pelo nosso lado, com toda a sinceridade confessamos que duvidamos da qualidade dos serviços a prestar por estes novos guarda-livros da União Europeia. E isto por um motivo: é que não abona muito a favor da inteligência deles terem, e segundo o que os próprios dizem, andado tantos anos a ser enganados pelas habilidades do governo grego na apresentação das contas do Estado, sem nunca darem pelo engano.
João Alexandrino Fernandes

1 Naomi Klein, The Schock Doctrine. The Rise of Disaster Capitalism, citado aqui na edição alemã, Die Schock Strategie – Der Aufstieg des Katastrophen-Kapitalismus, Frankfurt am Main, 2007, P. 348-349;
2 Samuel Huntington, The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order, paperback, New York et al., 2003, p. 311-312.
3 Samuel Huntington, The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order, paperback, New York et al., 2003, p. 156-157
4 Zbigniew Brzezinski, The Grand Chessboard. American Primary and Ist Geostrategic Imperatives, aqui na edição alemã Die Einzige Weltmacht – Amerikas Strategie der Vorherrschaft, Frankfurt am Main, 8. Auflage, 2004, p. 53, 58 e 109.

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Comunicado do Bloco de Esquerda sobre a Escola EB2,3 de Minde

Consulte no link abaixo:

Requerimento ao Secretário de Estado do Ambiente

Bloco requereu a vinda do Secretário de Estado do Ambiente

à AR para esclarecer funcionamento da ETAR de Alcanena

O deficiente funcionamento da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Alcanena, com mais de 20 anos, tem sido extremamente penalizador para a qualidade de vida e saúde pública das populações deste concelho, além de ser responsável pela poluição de recursos hídricos e solos.

Esta ETAR, destinada a tratar os efluentes da indústria de curtumes, foi desde a sua origem mal concebida, a começar por se situar em leito de cheia. Desde então os problemas são conhecidos e persistem: maus cheiros intensos; incumprimento regular dos valores-limite estabelecidos para o azoto e CQO das descargas de efluente tratado em meio hídrico; célula de lamas não estabilizadas, com deficiente selagem e drenagem de lixiviados e biogás; redes de saneamento corroídas, com fugas de efluentes não tratados para o ambiente; saturação da ETAR devido a escoamento das águas pluviais ser feita nas redes de saneamento.

Desde há muito que estes problemas são conhecidos e nada justifica, ainda mais com todo o avanço tecnológico existente ao nível do funcionamento das ETAR, que se chegue ao final de 2010 com esta situação. E pior se compreende quando é o próprio Ministério do Ambiente a constatar que gastou ao longo dos anos cerca de 50 milhões de euros para tentar responder a estes problemas.

Em Junho de 2009 foi assinado um protocolo para a reabilitação do sistema de tratamento de águas residuais de Alcanena pela ARH Tejo, o INAG, a Câmara Municipal e a AUSTRA (gestora da ETAR), com investimentos na ordem dos 21 milhões de euros de comparticipação comunitária.

Este protocolo inclui cinco projectos, os mais importantes dos quais com prazo final apenas em 2013, o que significa arrastar os principais problemas identificados até esta data. Como os prazos de início dos estudos destes projectos já sofreram uma derrapagem, dúvidas se colocam sobre o cumprimento dos prazos estabelecidos, ainda mais quando não há certezas sobre a disponibilização de verbas nacionais para co-financiar os projectos, tendo em conta o contexto de contenção actual.

Considerando a gravidade dos problemas causados pela ETAR de Alcanena para as populações e o ambiente, o deputado José Gusmão e a deputada Rita Calvário do Bloco de Esquerda solicitam uma audiência com o Secretário de Estado do Ambiente, com a finalidade de obter esclarecimentos sobre os investimentos previstos para a reabilitação do sistema de tratamento, as soluções escolhidas, o cumprimento de prazos, e as garantias que os mesmos oferecem para resolver o passivo ambiental existente, os focos de contaminação dos recursos hídricos e solo, os maus cheiros e qualidade do ar respirado pelas populações deste concelho. Seria de todo útil que o presidente ou representantes da ARH-Tejo estivessem presentes nesta audiência.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2010.

A Deputada O Deputado

Rita Calvário José Gusmão

Direito a não respirar “podre” – SIM ou NÃO?





No passado domingo, dia 12 de Dezembro, no Auditório Municipal de Alcanena, realizou-se uma conferência, dinamizada pelo Bloco de Esquerda, sobre a poluição em Alcanena.
Esta sessão reuniu um grupo de ‘preocupados’, que primeiramente ouviram as exposições de especialistas sobre o assunto e, no final, trocaram experiências e pontos de vista, baseados na própria vivência, bem como em conhecimentos técnicos e científicos.
Ficou bem patente que se trata de um grave problema de há muito sentido, mas também desvalorizado, do qual até ao momento não se conhecem as verdadeiras implicações para a saúde pública, mas que transtorna a vida de todos os que vivem e trabalham no concelho, tornando desagradável e doentio o seu dia a dia.
Ficou também claro que o Bloco de Esquerda, aliado desta causa, não abandonará a luta, que será levada até onde os direitos das pessoas o exigirem.

Comunicado de Imprensa

Leia em baixo o Comunicado de Imprensa de 3 de Dezembro do Bloco de Esquerda em Alcanena.

Clique aqui para ler

Reclamamos o DIREITO A RESPIRAR

Bloco de Esquerda continua na senda de uma solução para o grave problema de poluição ambiental em Alcanena



Na passada sexta-feira, dia doze de Novembro, uma delegação, composta pelo Deputado do Bloco de Esquerda pelo Distrito de Santarém, José Gusmão, e mais dois elementos do Bloco, foi recebida pela administração da Austra, no sentido de esclarecer alguns pontos relativos ao funcionamento da ETAR e à poluição que de há muito tem afectado Alcanena, com acrescida intensidade nos últimos tempos.

O Bloco de Esquerda apresentou já um requerimento ao Ministério do Ambiente, aguardando resposta.

Após a reunião com a administração da Austra, realizou-se na Sede do Bloco em Alcanena uma Conferência de Imprensa para fazer o ponto da situação.

Da auscultação da Austra, ficou claro para o Bloco de Esquerda que a ETAR de Alcanena não reúne as condições minimamente exigíveis, quer do ponto de vista do cumprimento da lei, quer da garantia de índices de qualidade do ar compatíveis com a saúde pública e o bem estar das populações.

A delegação do Bloco de Esquerda obteve do presidente da Austra o compromisso da realização de operações de monitorização da qualidade do ar em Alcanena, a realizar o mais tardar em Janeiro. De qualquer forma, o Bloco de Esquerda envidará esforços para que essa monitorização ocorra de forma imediata.

Embora existam planos para a total requalificação dos sistemas de despoluição, registamos com preocupação a incerteza sobre os financiamentos, quer nacional quer comunitário. O Bloco de Esquerda opor-se-á a que estes investimentos possam ser comprometidos por restrições orçamentais, e exigirá junto do Governo garantias a este respeito.

A participação popular foi e continuará a ser um factor decisivo para o acompanhamento e controlo da efectiva resolução do problema da qualidade do ar em Alcanena.

No âmbito da visita do Deputado do Bloco de Esquerda, José Gusmão, ao Concelho de Alcanena, realizou-se um jantar-convívio no Restaurante Mula Russa em Alcanena, ocasião também aproveitada para dialogar sobre assuntos inerentes ao Concelho. Mais tarde, José Gusmão, conviveu com um grupo de jovens simpatizantes num bar deste concelho.

No sábado, dia treze de Novembro, José Gusmão e outros elementos do Bloco de Esquerda estiveram em Minde, no Mercado Municipal, distribuindo jornais do Bloco, ouvindo e conversando com as pessoas.

Neste mesmo dia, junto ao Intermarché de Alcanena, José Gusmão contactou com as pessoas e entregou jornais do Bloco de Esquerda.

Num almoço realizado em Minde, no Restaurante Vedor, com um grupo de aderentes e simpatizantes do Bloco, houve mais uma vez oportunidade para ouvir opiniões, experiências e expectativas, bem como de exprimir pontos de vista.

O Bloco de Esquerda continuará a luta por um direito que parece ser inerente à própria condição humana, mas que vem sendo negado às pessoas que vivem e trabalham em Alcanena – o direito de respirar ar “respirável” e de não ser posta em causa a sua saúde.


A Coordenadora do Bloco de Esquerda de Alcanena

Poluição em Alcanena: Requerimento à Assembleia da República

Pessoas esclarecidas conhecem o seu direito de respirar ar puro e lutam pela sua reconquista já que alguns até isto usurparam.

O Bloco de Esquerda encetou a luta pela despoluição de Alcanena na legislatura anterior e continuará a manifestar-se e a rebelar-se contra esta desagradável e injusta situação até que no nosso concelho possamos respirar de novo.


Veja aqui Requerimento apresentado pelo BE quanto à questão da poluição em Alcanena

Carta à AUSTRA

Carta entregue pelo grupo de cidadãos "Chega de mau cheiro em Alcanena" ao Presidente da Austra e Presidente da Câmara Municipal de Alcanena

INAUGURAÇÃO DA SEDE DO BLOCO DE ESQUERDA EM ALCANENA

Francisco Louçã inaugurou no passado domingo, dia 31 de Outubro, a Sede do Bloco de Esquerda em Alcanena. Na inauguração esteve também representada a Coordenação Distrital do Partido; estiveram presentes aderentes e convidados. Esta ocasião especial foi uma oportunidade de convívio, acompanhada de um pequeno beberete.
Francisco Louçã falou, como sempre, de forma clara e apelativa, abordando a actual situação crítica do país,apontando as razões, propondo alternativas e caminhos.
Baseando-se no Socialismo Democrático, o Bloco de Esquerda tem sido sempre activo na defesa dos valores da verdadeira Democracia, e propõe-se continuar essa luta. Esta nova Sede é mais um ponto de encontro, de trabalho, de partilha de pontos de vista e de tomada de iniciativas, possibilitando que se ouçam as vozes de todas as pessoas e transmitindo os seus problemas e expectativas.
Trata-se de um pequeno espaço, que representa uma grande vontade de mudança e que espera contar com a presença de todos os que partilhem os ideais de um concelho mais próspero, de uma sociedade mais justa e equilibrada, de um país realmente mais avançado.